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Então agora, voltando ao tema deste texto e à luz do exemplo de seriedade com a qual a aviação enfrenta o assunto, sinto-me à vontade para afirmar o seguinte:
Dada a natureza extremamente complexa do nosso trabalho e a responsabilidade que carregamos por executá-lo, quando concordamos em trabalhar sob condições difíceis, sob estresse, também concordamos em correr os riscos que a nossa natureza humana nos impõe:
- Comprometimento da memória
- Comprometimento da capacidade de concentração
- Dificuldade em tomar decisões e fazer julgamentos
- Dificuldade para resolver problemas
- Tendência de minimizar e simplificar a solução de problemas
- Tendência a ignorar informações relevantes
- Comprometimento da habilidade de comunicação
- Repetição de antigos hábitos inapropriados para a situação
- Entre outros
Em outras palavras, se ignorarmos estes fatores ou se não adotarmos práticas e procedimentos de trabalho que realmente funcionem para minimizar seus efeitos, estaremos sendo negligentes em relação a eles.
E sobram fatores estressores... Alguns exemplos (muito além do que apenas a pressão do prazo), apenas para ilustrar o leque de coisas envolvidas:
Psicossociais:
- Conflitos no trabalho
- Baixa satisfação no trabalho
- Sentimento de falta de suporte
- Descontrole
- Doença ou morte na família
- Expectativas não realistas
- Problemas financeiros
- Solidão
- Baixa autoestima
Cognitivos:
- Falta de informação
- Sobrecarga de informações / Fadiga mental
- Tédio
- Medo
- Sentimento de Falta de suporte
- Alta carga de trabalho
Fisiológicos:
- Dieta pobre
- Fadiga muscular
- Privação de sono
- Doenças
Ambientais:
- Barulho
- Distrações
- Ambiente congestionado de pessoas
- Etc.
Na minha experiência as pessoas sabem ou sentem o quanto trabalhar “sob pressão” pode ser perigoso e costumam agir sobre isso apenas em termos de “bom senso”, fazendo o que acham conveniente para o momento, e isto é muito precário frente à responsabilidade e perigos associados.
Como diria um amigo meu: “Bom senso parece ser a substância mais abundante do planeta porque todo mundo acha que tem”.
Falando sério, não é assunto para “bom senso” nem para super-heróis que conseguem “lidar bem com a pressão”. Nem é um assunto de solução fácil. Há muito para ser construído nesta área. Por outro lado, temos exemplos belíssimos em outras áreas do conhecimento, respostas prontas, que podem ser elementos facilitadores para a incorporarão deste tipo de assunto ao nosso trabalho. Estou falando de vanguarda, de construir algo que ainda não existe no nosso meio.
Filosoficamente falando este assunto vai longe...
Enfim, dado o problema, precisamos atuar sobre ele, ou seja, precisamos munir-nos de ferramentas para responder às seguintes questões:
• Como evitar situações de estresse durante a elaboração do projeto?
• Quando não for possível evita-las, quais são os recursos necessários para enfrenta-las?
Voltando à minha experimentação, testei algumas abordagens. Depois de repetidos ciclos de tentativa e erro posso dizer que 3 esferas de atuação tendem a gerar resultados eficazes.
1- Planejamento do trabalho
2- Protocolos de trabalho
3- Comunicação eficaz
Vou fazer uma breve explanação sobre cada uma à luz do que trata este texto: “como evitar erros de projeto decorrentes de trabalho executado sob pressão?”.
1- Planejamento do trabalho:
Quando o assunto é evitar erros, esse é um trabalho que já deveria iniciar na orçamentação do projeto, a fim de criar as condições necessárias e obrigatórias para o correto desenvolvimento do projeto ao longo de toda a sua elaboração.
Quando você planeja você cria condições para fazer gestão e para negociação com clientes externos ou internos. Você passa a ter uma referência para poder tomar decisões e para impedir ou minimizar as chances de que situações estressantes ocorram.
Vamos a um exemplo simples, para entender a ideia:
Digamos que você precisa entregar um detalhamento completo até o final da próxima semana. Você planeja, dia a dia, o que precisa ser feito até lá. Se este planejamento for atendido o projeto será entregue dentro da normalidade, sem pressões prejudiciais. Não importa tanto se você acertou precisamente ou não o planejamento, importa que agora você tem uma referência. Se no primeiro ou segundo dia você não conseguir atingir o que havia sido previsto você passa a ter condições de agir ativa e preventivamente, seja para avisar e/ou negociar com o cliente, seja para trabalhar mais horas, seja para colocar mais pessoas para ajudar no projeto, etc.
Você deixa de ser vítima da situação e passa a poder atuar ativamente sobre ela, muito antes dos problemas sérios começarem a acontecer.
O que costuma ser realmente desgastante, na minha experiência de relação com clientes, é deixar para avisá-los que haverá um atraso apenas na última hora. Isso costuma deixa-los realmente nervosos (quando somos clientes isso também é verdade). Já o contrário, quando o alerta ocorre antecipadamente, muito pode ser feito e combinado.
Este foi um exemplo de planejamento num nível micro. Poderíamos olhar do ponto de vista macro, de um escritório de cálculo como um todo, com vários projetos acontecendo simultaneamente. Ter todo esse planejamento dentro de um cronograma único, com todos os projetos acontecendo simultaneamente, é uma arma muito poderosa porque permite gerenciar tudo que está acontecendo de maneira rápida e ágil, mais uma vez servindo de suporte para várias decisões e ações, como por exemplo, comprometer-se realisticamente com entregas junto ao cliente.
Além disso, existem dois outros desdobramentos muito impactantes decorrentes da utilização de um planejamento que funciona:
i) Quando você planeja você consegue começar a medir e a analisar desempenhos, a relação entre o que era esperado e o que realmente aconteceu. Pode começar a atuar para melhorar a performance e qualidade do que você faz. Tudo fica rastreável, passível de análise e implementação de melhorias.
ii) Quando as pessoas precisam seguir um planejamento elas costumam trabalhar extremamente mais focadas. Existe uma meta constante e o atraso fica evidente ao menor sinal de problemas. Estimo, sem medo de errar, que pelo simples fato de existir um planejamento que é levado a sério por todos, a produtividade seja aumentada na razão do dobro de quando não existe planejamento. Tanto em termos de poder ter mais tempo para fazer melhor, quanto em termos de não desperdiçar recursos (esta informação “vale ouro”).
2- Protocolos de trabalho
Durante situações estressantes podemos ter severamente comprometidas as nossas faculdades cognitivas. É nessas horas que precisamos de elementos de apoio, principalmente no que diz respeito ao uso da memória e da realização de ações seguras. Um passo-a-passo que nos conduza pelo melhor caminho pode ser a chave para enfrentar este problema.
Protocolos de trabalho são regras de trabalho que você cria quando está lúcido. São registros escritos, ao acesso de todos, das melhores práticas que você ou sua empresa adotam, que GARANTEM “O QUÊ” E “COMO” AS COISAS DEVEM SER FEITAS. São regras que não poderão ser quebradas, nem por você mesmo, nos momentos de pressão. Elas registram e condensam as suas experiências e melhores práticas. Se qualquer pessoa da empresa tiver uma dúvida sobre o quê ou como proceder, é lá que ela deverá encontrar respostas.
Nessas circunstâncias quebrar uma regra de trabalho voluntariamente deixa de ser “um erro” para ser uma “violação”, isso sim, inadmissível.
O fato de existir um registro escrito das regras de trabalho permite que outro fato, também muito importante, possa acontecer: o aperfeiçoamento dos protocolos. O registro escrito passa a ser uma base para constante evolução, uma vez que fica ao acesso de todos e pode ser melhorado. Uma melhoria, um aprendizado, a implantação de uma nova técnica, ficam automaticamente acessíveis a todos quando os protocolos são atualizados, permitindo um crescimento e aprendizado conjunto de toda a empresa.
Muitas pessoas quando são apresentadas a este princípio logo pensam em problemas, em engessamento e burocracia. Não é este o objetivo. Regras que estão engessando ou que não são úteis precisam ser corrigidas ou eliminadas.
Destaco alguns tipos de protocolos que considero MUITO relevantes:
- Listas de Verificação Obrigatórias.
- Padronização:
- de plantas
- de memória de cálculo
- de relatórios
- de detalhes padrão
- de programas de cálculo
- de procedimentos de trabalho
- de concepção
- de cálculos específicos
- de análise
- de revisão
- de detalhamento
- de aprovação de projeto
- de envio de projeto
- de relacionamento com o cliente
- de reuniões
- de resolução definitiva de problemas do dia-a-dia
As listas de verificação reduzem enormemente o nível de ansiedade de quem faz projeto. Você não precisa utilizar a sua memória mental para ficar lembrando de tudo que precisa ser checado, basta consultar a lista item-a-item. Você sente-se seguro e confiante ao utilizá-las. Sobra espaço mental para questões onde a engenhosidade é necessária.
Listas assim, ao acesso de todos, são de uma riqueza que eu só entendi vendo, utilizando e aperfeiçoando. Um estagiário ou um jovem engenheiro, por exemplo, que tome contato com estas listas, em minutos, passa a ter acesso ao que há de mais relevante no seu trabalho, coisas que às vezes ele precisaria passar uma vida inteira para perceber.
Toda vez que você enfrenta um problema (e identifica as suas causas) passa a ser uma oportunidade para enriquecer as suas listas de verificação, de maneira a evitar que o problema se repita no futuro.
3- Comunicação
Quando fui investigar a causa dos problemas atribuídos à "pressão do prazo" descobri uma gama de outros problemas. Por exemplo:
- o problema não era “falta de tempo”. Mesmo com tempo extra, problemas de todo gênero persistiam: conceituais, de falta de atenção, de falta de revisão, etc.
- na relação engenheiro-superior havia dificuldade do engenheiro para se posicionar sobre a sua insegurança em relação ao projeto, tinham dificuldade para defender seus pontos de vista ao pleitear prazos.
- também vacilavam ao expor seus problemas e pedir ajuda ao seu superior para resolverem juntos.
- tinham dificuldades para planejar sua tarefa de maneira a perceber com antecedência os possíveis contratempos.
- não utilizavam um planejamento para expor seus anseios de prazo ao seu superior.
- os engenheiros não tinham instruções claras sobre como fazer e como revisar o próprio trabalho
- a relação superior x engenheiro era repleta de reticências.
Isso evidencia diversas falhas de comunicação. Comento 3 tipos mais comuns:
A primeira dificuldade é a comunicação que travamos conosco mesmos, a maneira como explicamos para nós mesmos as causas dos problemas. Na falta de um processo de análise mais preciso e profundo chegamos prematuramente à conclusões que podem não ser as verdadeiras causas dos problemas.
O segundo problema de comunicação: a inexistência de regras claras. Exemplo do que chamaria de regra clara:
“Se você não está seguro sobre o projeto, dane-se o prazo. Em hipótese alguma será admitido entregar um projeto sem a convicção de que está correto ou sem a execução dos procedimentos de segurança obrigatórios”. Parece óbvio, mas no calor da batalha muita coisa deixa de ser óbvia.
O terceiro problema de comunicação diz respeito à liderança da equipe. A curto prazo costuma ser muito mais fácil “exigir e ordenar” do que ensinar liderados. Se o líder não criar condições para que as pessoas falem livremente, sem medo, de maneira a sentirem-se ouvidas, dificilmente nascerá uma relação de confiança entre ambos. Um líder que não quer ouvir ou ajudar a resolver problemas forçará os liderados a deixarem suas angústias para o momento onde pouca coisa poderá ser feita.
Para a minha equipe, por exemplo, eu dizia algo mais ou menos assim: "Discordem de mim", "Teimem comigo", "Não preciso de gente só pra concordar comigo, se fosse para só concordar comigo poderiam ser outras pessoas", "Se vocês tiverem uma vírgula de dúvida sobre qualquer coisa, tranquem o pé, eu autorizo vocês a não deixar ir pra frente nada que não esteja 100%".
Em situações de pressão tendemos a nos sentir pressionados e passar adiante esta pressão, mais um aspecto da perda de lucidez. Nestas horas “liberdade de comunicação” unida “à regras claras” fazem toda a diferença para que ações corretas sejam tomadas e para que se estabeleça uma relação de confiança.
Considerações Finais
O tipo de trabalho que fazemos, por si só, traz embutido uma carga de responsabilidade elevada às tarefas que executamos. Na minha opinião, o simples peso da responsabilidade por inúmeras vidas já seria suficiente para dizer que trabalhamos sob pressão.
Quem já sentiu na pele o drama de trabalhar sob algum tipo de pressão sabe o quanto isso impacta ou o quanto pode impactar no resultado final do trabalho. No entanto, mesmo sabendo disso, continuamos agindo como se nada pudesse ser feito para mudar esse cenário, como se não tivéssemos alternativas, vítimas de um sistema perverso. Isso nada mais é do que mais um aspecto da Condição Humana de agir. Nosso piloto automático está programado para agir assim.
Por alguma razão, possivelmente cultural, acreditamos que o fato de existir um profissional que assina o projeto, até mesmo com muita experiência, é suficiente para garantir a segurança de um projeto. Acreditamos ainda que se outra pessoa revisar o que o primeiro fez, que isso será suficiente... Sem dúvida ajuda, mas até mesmo o revisor continua sendo um Ser Humano, que inclusive pode incorrer nos mesmos erros que o autor do projeto. Isso continua sendo “tratar o sintoma do problema”, enquanto as verdadeiras causas dos erros continuam à espreita de todos. Enfrentar o problema significa atuar para “fazer certo”.
Insisto em afirmar que esta é uma área pouco explorada e com potencial imenso, não apenas sob a ótica da “Segurança do Projeto”, mas também em termos de:
a) Aumento de Produtividade e de Qualidade
b) Satisfação no trabalho
c) Satisfação do cliente
d) Redução de retrabalhos
São conhecimentos que já estão disponíveis há bastante tempo, mas para acessá-lo precisamos colocar um pouco de lado as questões técnicas, talvez nossas paixões, e utilizar “nossos talentos” estrategicamente para melhorar “o jeito” como fazemos projeto.
Abraço!
Lucas Ramires
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